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  • Foto do escritorDa Redação

Jaqueline Machado | A paixão segundo GH

Amparada pela terceira perna. A sua vida parecia plena. PARECIA.... Nada lhe faltava e vivia segundo manda as normas sociais. Porém, depois de despedir a empregada decide ir limpar o quarto da serviçal. Pensou que cômodo estivesse imundo. Mas para a sua surpresa, o quarto estava limpo e organizado.


Ao mexer nos móveis depara-se com uma barata. Tomada pelo nojo ela esmaga o inseto contra a porta de um armário. Depois de num acesso de iluminação, decide degustar o interior branco da barata.


Fora da sua realidade cotidiana, se vê tomada por um transe. Um transe transcendental. E diz: “Estou procurando, estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem. Não sei o que fazer com o que vivi. Não confio no que me aconteceu”.


Estas são algumas palavras de GH, personagem complexa e emblemática de Clarice Lispector na sua genial obra: A PAIXÃO SEGUNDO GH. A terceira perna a qual se refere no decorrer na narrativa e que lhe dá equilíbrio é, por certo, uma metáfora usada para se referir ao amparo material e social que lhe cercava, mas que não sustentava a sua faminta alma.


Ao entrar no quarto da empregada, GH, se ausenta do seu mundo e ao cometer o insano gesto de degustar o inseto, é levada a conhecer o deserto onde tudo surgiu e a desvendar o que para a maioria é impossível, conhecer o interior do interior, do interior da vida. O lado cru das coisas.

E assim descobrir que a beleza verdadeira não tem sequer forma e que todo conhecimento leva a um desconhecimento maior do que o conhecimento em si. Ao despertar para essa realidade surreal, se vê conduzida por uma mão. E sem essa MÃO, ficaria carente feito a criança que anda sozinha pela Terra. Tão carente que só o amor de todo o universo poderia consolá-la.


A viagem da personagem é longa, confusa, profunda... Tão profunda quanto incompreendida pela maioria das pessoas. Pois ela se enxerga no núcleo do tempo em que sua matéria ainda era inanimada e as baratas já existiam. E, por essa razão, não poderia sentir-se tão mais importante do que aquele inseto aparentemente desprezível. Pois, através dele ela descobriu que para chegar a Deus, é preciso despir-se de toda a matéria, de todas as vontades e opiniões porque Deus está no misterioso e sagrado sabor “NEUTRO” que vive dentro de nós.


Eis aí a parábola do santo sacrifício. Da paixão de Cristo ou de GH, a mulher desnudada.

Foto: Divulgação

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