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Jaqueline Machado | Olhos de mar e de esperança



O mar mesmo sendo de sal, consegue ser mais doce do que um profundo poço de mel. Ele é misterioso, perigoso e inquieto. Ainda assim, todos querem adentrar suas águas para pescar, se banhar e, quem sabe, se a maré for de sorte, avistar sereias... Isso acontece porque o corpo do mar é composto por sais, mas sua alma é de açúcar.


E foi percorrendo os mares da vida que um certo pescador chamado Santiago, personagem do conto, O Velho e o Mar, do notável Ernest Hemingway deixou à humanidade uma nobre lição. Ele era muito idoso, magro, sua face e pescoço eram marcados por manchas e profundas rugas. Sinais dos anos de exposição ao sol. O pescador era sozinho, pobre, sem estudos. Tudo nele parecia ser muito velho. Menos os olhos cor de mar. Ainda lúcidos, luminosos e cheios de esperanças. Sim. De esperanças. E olha que o seu mar não estava para peixe. Há oitenta e

quadro dias o velho velejava e nada pescava.


Santiago tinha um amigo. Um jovem rapazinho chamado Manolin, que aos cinco anos, aprendeu com ele as primeiras lições de como ser um bom pescador. Os pais do rapaz disseram ao garoto que o velho estava definitivamente e declaradamente salão, o que é a pior forma de azar, e o rapaz fora por ordem deles para outro barco que na primeira semana logo apanhou três belos peixes. Mas o menino era um amigo fiel, e mesmo proibido de participar das pescas junto ao ancião, o visitava em sua humilde casa.



“ A choupana era feita de duros ramos de palmeira, a que chamam guano, e havia nela uma cama, uma mesa, uma cadeira, e um lugar no chão para cozinhar a carvão de choça. Nas paredes escuras, de achatadas e sobrepostas folhas do grosseiramente fibroso guano, havia uma gravura a cores do Sagrado Coração de Jesus e outra da Virgem de Cobre. Eram relíquias de sua mulher. Noutro tempo houvera ainda uma fotografia dela na parede, mas ele tirara-a por se sentir muito só ao vê-la, e estava agora na prateleira do canto, por baixo da camisa lavada”.


Descreveu o autor em sua obra. Apesar de todos os pesares, o velho não abandonava os seus sonhos. Deseja provar o seu valor pescando um enorme peixe. O maior que o oceano pudesse lhe proporcionar. Parecia loucura

almejar realizar um sonho tão grande, tendo a vida tão próxima ao fim. Mas ele não pensava no fim... Apenas nas novas oportunidades que sempre raiam junto ao sol a cada novo amanhecer. “É pecado não ter esperança” dizia ele. Até que certo dia, o mar o surpreende e a oportunidade de realizar o seu grande desejo, começa a ganha ares de realidade. No 85º dia de espera, a maré de sua sorte muda. Um agulhão gigante, com mais de cinco metros, encosta em sua embarcação. Sendo o peixe maior que o barco, o velho e o animal travam uma intensa e honrada luta. Três dias depois, Santiago vence a batalha e consegue rebocar o peixe para o

abate final.


Quando a vitória parecia garantida, surgem tubarões seguindo o rastro do sangue derramado. Mas Santiago, mesmo exausto, machucado, cambaleante, não desiste. E a luta recomeça. A essa altura do confronto qualquer outra pessoa que estivesse em seu lugar, terminaria por desistir. Mas desejando superar o impossível, mesmo depois dos tubarões terem devorado bastante a carne da grande pesca, ele vence a batalha novamente. Ao regressar a sua ilha, todos maravilharam-se ao ver a enorme carcaça do peixe capturado por aquele simplório senhor a quem ninguém depositava a menor fé. Exceto Manolin, é claro.


Apenas porque ousou crer, persistir e recomeçar, Santiago, com seus olhos de mar e de esperança, tornou-se lenda na aldeia. Eis aí a prova de que o impossível não existe. É pretexto dos fracos.


Jaqueline Machado

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