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Nilton Santos | O ruim sempre pode piorar

Não lembro onde nem quando ouvi a expressão: Apesar do Brasil estou indo! Acho que vou adotá-la diante de tantas coisas sem nexo que estão acontecendo por aqui, não bastasse a sinuca de bico que nos meteu um ser somente visível pelo microscópio eletrônico. Por sua causa e em razão do que ele tem causado aqui e além-fronteiras, parece que tudo ficou fora de lugar, desafinou geral, bumbada na pausa!


Não bastassem todos os problemas que já tínhamos por sermos brasileiros, latinos

americanos sem dinheiro no banco, sem parentes importantes. A fase é tão sinistra que nos faz sentir saudades das nossas vicissitudes de outrora.


Lembro de uma passagem do Analista de Bagé, personagem criado pelo genial Luís Fernando Veríssimo, que era mais ou menos assim; Um médico foi designado para atender uma população extremamente carente no interior do Rio Grande, diante da absoluta falta de recursos, era obrigado a receitar chás para os males do fígado, dores de cabeça e qualquer outro desconforto que se abatesse sobre aquela gente esquecida por Deus e o mundo.


Certo dia, pela mão da mãe aflita chega um guri no consultório improvisado, vizinho da cancha onde se de jogava bocha, osso e, nos dias de festa aconteciam improvisados arrasta-pés. Antes de adentrarem na sala, da estrada já se ouvia o choro do piá urrando de dor. O médico, de cara, viu que o guri padecia de dor de ouvido, mas além de azeite doce quente, nada mais podia fazer para aliviar o sofrimento da pobre criança. Diante do nada ter para receitar para aliviar a dor, deu um forte beliscão, daqueles agarrados, no braço do piá, que o fez estremecer num urro ouvido em toda a vila.

Diante da mãe assustada o doutor perguntou ao paciente: Tá com saudade da dor de

ouvido? O guri, de olho arregalado, assentindo com a cabeça, respondeu que sim e assim terminou a consulta.


Nós brasileiros estamos mais ou menos como o pobre menino com dor no ouvido. A cada beliscão da realidade, só falta ouvirmos uma voz nos dizendo: estão com saudades dos problemas de antes? 


E a vida que segue nos dando beliscões para nos fazer sentir saudades do que antes achávamos ruim. E até que nem era tanto.


Nilton Santos

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