Laboratório da UFSM auxilia na detecção de foco inédito de gripe aviária
- Lenon Quoos
- há 3 dias
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No dia 15 de maio, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) identificou o primeiro caso de Influenza Aviária de Alta Patogenicidade (H5N1), comumente conhecida como gripe aviária, em uma granja comercial no Brasil. As ocorrências registradas anteriormente foram em aves silvestres. A detecção do foco ocorreu no dia seguinte, no município de Montenegro, no Rio Grande do Sul.
O Laboratório de Computação Ubíqua, Móvel e Aplicada (Lumac), coordenado pelo professor Alencar Machado, do Colégio Politécnico da UFSM, desenvolveu um software para a investigação de focos de doenças como a gripe aviária no ano passado. Ainda em 2024, a ferramenta, na Plataforma de Defesa Sanitária Animal, também foi utilizada para controlar a doença de Newcastle na cidade de Anta Gorda. Agora o aplicativo está sendo usado por equipes sanitárias em Montenegro para mapear e monitorar a doença.
O software foi criado pelo Lumac para a gestão de emergências de eventos sanitários. A ferramenta em si é a mesma de 2024, mas o conjunto de funcionalidades varia de acordo com cada ocorrência. “O que muda é que a cada evento sanitário nós aprendemos mais sobre ele e, a partir disso, a gente está tendo oportunidades de conseguir melhorar a captação da informação e a análise e projeção dela para tomar decisão”, conta o professor Alencar Machado.
A equipe do Lumac deslocou-se até Montenegro e o professor explica o porquê. “Por isso que a gente vem para cá. Vai corrigindo, ajustando e fazendo melhorias durante o evento sanitário, de coisas mais objetivas que entregam rapidamente informação trabalhada para eles.
Porém, quando acabar esse evento sanitário, nós temos uma lista gigante de melhorias, de coisas mais complexas e mais demoradas de fazer. Para a gente já, no próximo evento sanitário, ter uma ferramenta em uma nova versão melhorada. A gente mergulha junto com o pessoal aqui para ir percebendo essas coisas e fazendo, a cada evento sanitário, uma nova versão da ferramenta mais customizada e melhorada.”
A plataforma é composta por um sistema web e um sistema mobile (o aplicativo). Ela é usada a partir do momento em que existe uma suspeita, ou seja, sinais clínicos nas aves, evidenciados por um médico veterinário, que coleta o material das aves e envia para um laboratório. A partir desta etapa, a ferramenta já começa a ser utilizada para entender onde está localizada a suspeita do foco. Depois, inicia-se a análise de movimentação animal que aconteceu na propriedade determinada, para poder projetar no mapa uma série de setas para onde as aves daquela propriedade tiveram destino.
“Por exemplo, esse caso bem particular aqui de Montenegro é uma granja comercial de matrizes, né? As aves colocam ovos, esses ovos são férteis, vão para o incubatório para gerar o pintinho, para o pintinho ser distribuído para as propriedades. Nesse caso em particular, quando essa granja teve uma suspeita, o pessoal foi na ferramenta, colocou ela como foco e já começou a ter a projeção no mapa do grafo de movimentação. Ela se movimentou para o incubatório e para onde os pintinhos do incubatório foram enviados, para quais propriedades e para quais lugares no Brasil, em outros estados, esse incubatório também enviou os ovos dessa granja. A gente tem uma rastreabilidade dele”, explica Alencar Machado.
E a partir disso, com a pré-confirmação do evento sanitário, é possível analisar o tamanho do trabalho que vai existir a campo. Com a confirmação, começa uma segunda parte da ferramenta: a modelagem dos raios. Serve para determinar zonas onde as equipes vão começar a fazer visitas nas propriedades, para verificar se existem aves com sinais clínicos de mortalidade, para poder determinar se a doença está se espalhando ao redor daquela que foi identificada como foco. O software também gerencia os convocados que devem ir para o foco. Esses convocados são distribuídos em equipes que têm uma série de dinâmicas, como de vigilância, de barreira e de limpeza. Por exemplo, a equipe de vigilância é aquela que visita as propriedades para verificar se a doença está se espalhando, verificando as evidências da doença.
O aplicativo serve para as equipes de campo. A ferramenta suporta toda a tomada de decisão para programar o que vai ser executado a partir do momento que as equipes começarem a fazer o seu trabalho no quartel-general (QG). Quando uma pessoa é colocada em uma equipe que tem obrigação de visitar uma região, ela é vinculada a essa região no mapa. Quando entra no aplicativo, ele traz todas as atividades que a pessoa precisa fazer dentro do evento sanitário: qual é a sua equipe, região de movimentação, as propriedades ali dentro, quem é o produtor que está lá. E é no aplicativo que eles fazem a entrevista com o produtor perguntando se ele tem aves, se as aves estão com sinais clínicos, etc.
Caso tenha aves, o grupo adentra a propriedade para poder ter uma visão ocular delas. Eles tiram fotos e fazem um levantamento de evidências pelo aplicativo. A partir disso, coletadas essas informações em tempo real, elas são transmitidas para o QG. Outra parte da ferramenta é de ações no foco – um monitoramento das equipes enquanto elas estão em campo. A partir disso, quem está na parte de gestão do foco consegue tomar decisão em tempo real conforme os grupos vão se locomovendo. No final do dia, quando todos retornam para o quartel-general, o board já dispõe a porcentagem, a quantidade de propriedades visitadas (nesse foco são 540, no total), quantas ainda precisam visitar, qual a estimativa de tempo que, da forma como as equipes estão trabalhando, vai demorar para terminar o foco.
Outros projetos – Atualmente, o Lumac tem dois parceiros principais. O primeiro deles é o Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa/RS), o qual foi criado para momentos de emergência como o atual, em parceria entre o Mapa e a Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação. A segunda parceria é com o Ministério da Pesca e Aquicultura, que deu suporte para o desenvolvimento da Plataforma Nacional da Indústria do Pescado (Pnip).
“A Pnip entrou no ar em dezembro do ano passado, para dois processos bem peculiares de exportação, e agora em julho ou agosto a gente entrega mais um processo dentro dela, que é para certificação de embarcações para a exportação para a União Europeia e Reino Unido. Esse é o escopo da primeira fase do projeto no Departamento da Indústria do Pescado. A gente tem um outro projeto com eles, que é na Secretaria de Monitoramento e Pesquisa da Pesca, em que está sendo implementado uma outra ferramenta que controla todas as cotas de pesca do Brasil.
“Por exemplo, algo que tem cota todo ano é a safra da tainha. Então, cada embarcação, ela tem a sua cota que pode pescar e, depois que ela atinge a cota, não está mais autorizada a pescar aquele recurso pesqueiro. Tem toda uma legislação que, dependendo da espécie, ela tem sua cota por ano. E isso não é sistematizado, não se sabe se a embarcação está pescando a mais ou a menos, onde ela está no mar e tal. É uma solução tecnológica que a gente está implementando para monitoramento de cotas de recursos pesqueiros no Brasil”, explica o coordenador do Lumac. E informa também que existe uma outra demanda para registro da embarcação, com uma tecnologia de vistoria dela.
O Lumac desenvolve também projetos-satélites menores de pesquisa pura em áreas como inteligência artificial, blockchain e sistemas distribuídos. Elas tornam-se artigos que os alunos de mestrado, doutorado e graduação publicam, e quando essa tecnologia está madura, vão se vinculando a parceiros.
“Como pesquisador, muitas vezes [sou] questionado o quanto a pesquisa que a gente tem feito realmente tem utilidade e muda ou dá impacto na sociedade, né? E eu acho que a gente tem aqui um exemplo de projeto que nós desenvolvemos dentro do Lumac. Ele tem pesquisa pura na geração tecnológica, porque a gente trabalha com computação. Tem extensão, porque a gente tá aqui, tá no terreno, tá vendo a tecnologia sendo usada.
E tem ensino porque o laboratório é composto por alunos. Para a UFSM, a gente tem um case completo. Eu acho que, se a universidade souber explorar isso dessa forma, mostrando que sim, a UFSM tem capacidade de fazer pesquisa que impacta a sociedade, de uma forma de alto nível, até a própria universidade sai ganhando”, conclui Alencar Machado.

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